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Milton Neves

A réplica em ouro da Jules Rimet e o cheque aos heróis do tri

Milton Neves

21/04/2020 17h45

Os Fuscas que os campeões mundiais receberam do ex-prefeito Maluf não foram os presentes mais valiosos

Por Fábio Piperno (twitter @piperno)

Os Fuscas que o então prefeito Paulo Maluf entregou aos campeões do mundo de 1970 foram os presentes mais famosos pagos com dinheiro público para recompensar os heróis do tri. Mas os recursos do contribuinte garantiram aos jogadores prêmios bem mais valiosos que os automóveis. Os craques também ganharam uma miniatura da Jules Rimet em ouro e um polpudo cheque emitido por banco público. E a todos os campeões mundiais de 1958, 62 e 70 foi assegurado por lei o direito a uma concessão de casa lotérica, privilégio que não seduziu os potenciais beneficiários.

Em 1970, o país vivia a euforia do chamado Milagre Econômico, período em que o avanço do PIB chegava a alcançar os dois dígitos. Liderado pelo general Emílio Garrastazu Médici, a ditadura militar se esmerou em oferecer à seleção brasileira as melhores condições de preparação para, mais tarde, capitalizar a conquista do tri. E não poupou esforços nem dinheiro para que a seleção, chefiada no México pelo Brigadeiro Jerônimo Bastos, voltasse com a taça. O primeiro incentivo oferecido pelo governo foi anunciado na véspera da viagem para o país-sede do mundial. Durante recepção aos jogadores e comissão técnica, Médici anunciou que o decreto que havia instituído a Loterias Esportiva assegurava aos jogadores campeões do mundo o direito de se tornarem agentes lotéricos credenciados. Pelé e Carlos Alberto Torres perguntaram se os campeões de 1958 e de 1962 também estavam entre os beneficiados. Médici explicou que sim. "Vocês voltem campeões do mundo que cada um ganhará uma concessão de Loteria Esportiva. Será muito dinheiro. 9% sobre as apostas. Vale a pena. É um grande prêmio", prometeu. Os jogadores ouvidos pela reportagem não se interessaram pela concessão.

Na volta ao Brasil, a primeira escala da delegação do tri foi em Brasília. O grupo campeão foi recepcionado por Médici. No encontro, cada jogador recebeu um cheque da Caixa Econômica Federal no valor de 25 mil cruzeiros. A quantia era suficiente para adquirir na época dois Fuscas zero quilômetro.

O veículo, fabricado pela Volksvagen, entrou involuntariamente no noticiário político-futebolístico em 20 de julho. Naquele dia, Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo, entregou com toda pompa aos jogadores e integrantes da comissão técnica as chaves de 25 Fuscas, da cor verde-musgo. Começava ali um sério problema na esfera da Justiça que durante 36 anos atormentou o político. Poucos dias depois da ruidosa cerimônia, o advogado Virgílio Lopes Enei exigiu na Justiça que o prefeito devolvesse ao município o que foi gasto com os carros. Maluf chegou a ser condenado, mas em 2006 foi declarado inocente. O ex-prefeito, mais tarde governador e deputado federal, argumento u que ag iu dentro da Lei, o que acabou sendo aceito pela Justiça.

Na verdade, Maluf não fez a doação de forma monocrática. Ele enviou projeto à Câmara dos Vereadores, que liberou verba de 315 mil cruzeiros para a compra dos carros. O pedido do prefeito foi aprovado por 17 votos a 10. Ironicamente, o líder de Maluf no legislativo era o vereador José Maria Marin, décadas mais tarde presidente da CBF e à época crítico ferrenho do técnico Mario Jorge Lobo Zagallo. Pouco antes da Copa, em entrevista ao célebre repórter Wálter Silva, mais conhecido como Pica-Pau, Marin atacou não apenas o técnico, como também os investimentos feitos na seleção. "O que estamos assistindo com a seleçã o brasil eira causa revolta a todos nós. Acredito, desde que eu conheço futebol, que nunca vi uma seleção gastar tanto dinheiro e que estivesse tão desmoralizada. Os torcedores de São Paulo, pelo menos, já não acreditam mais na seleção brasileira. Isso se deve apenas e unicamente à falta de responsabilidade de seus dirigentes. E a Zagalo, o principal responsável. Para manter sua posição, engole tudo. Este é o maior crime que ele está praticando contra a seleção brasileira". No final, Marin comparou o técnico a antigos políticos. "Zagalo parece ter a mania dos antigos políticos, o que felizmente está superado, de não querer aproveitar o que o antecessor deixa de bom. Por isso não aproveita Tostão e Pelé, dupla escalada por Saldanha".

Terminada a solenidade no Ibirapuera, os jogadores se dirigiram ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo. Um deles sabia dirigir, mas não tinha carteira de motorista. Mesmo assim foi guiando o carro novo até o local, onde todos foram recepcionados pelo governador Roberto de Abreu Sodré. Lá, a surpresa foi ainda maior. Cada jogador recebeu uma réplica em ouro da Jules Rimet. "Valia mais que o carro", admite um dos agraciados que ainda conserva a estatueta. Alguns, por conta de problemas financeiros, acabaram se desfazendo do presente. Mais discreto que Maluf, Abreu Sodré jamais enfrentou contestações na Justiça pela joia que o contribuinte paulista pagou sem saber.

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Sobre o autor

Milton Neves é jornalista profissional diplomado, publicitário, empresário, apresentador esportivo de rádio e TV, pioneiro em site esportivo no Brasil, 1º âncora esportivo de mídia eletrônica do país, palestrante gratuito de Faculdades e Universidades, escrivão de polícia aposentado em classe especial, pecuarista, cafeicultor e é empresário também no ramo imobiliário.